Roger Ingold, presidente da Accenture, relembra as lições que aprendeu em sua carreira
Quanto entrou na Accenture como estagiário, há 30 anos, Roger Ingold, 53, imaginava que aquela seria apenas uma das empresas em que trabalharia. Talvez porque nunca pode se acomodar diante dos projetos que surgiam, ele foi crescendo na empresa e hoje ocupa a cadeira da presidência. “A quantidade de clientes pelos quais eu passei e de oportunidades que tive foi muito maior do que se tivesse migrado e trafegado pelo mercado”, afirma o engenheiro de produção formado na Escola Politécnica da USP e pós-graduado em Finanças no Ibmec.
Na entrevista a seguir, Ingold passa adiante as lições que aprendeu em sua carreira e faz recomendações aos iniciantes que querem, assim como ele, ter sucesso na vida profissional. Confira!
Do estágio à presidência
Comecei estagiando aqui na Accenture. Me atraía muito a carreira em consultoria porque, como engenheiro de produção, a gente quer melhorar a performance das empresas, e consultoria tinha a ver com isso, então entrei porque queria aprender. Eu não tinha um objetivo de longo prazo no começo, queria ter essa experiência e ter a oportunidade de trabalhar em várias empresas. Apesar de acabar ficando no mesmo local desde então, eu tive o privilégio de trabalhar com dezenas de empresas. Como consultor você tem a possibilidade de passar por quatro ou cinco empresas a cada ano, tem outros que ficam dois ou três anos com a mesma companhia. Ao longo de 30 anos de carreira, a quantidade de clientes pelos quais eu passei e de oportunidades que tive foi muito maior do que se tivesse migrado e trafegado pelo mercado.
Caminho até a presidência
A dificuldade é sempre você jogar o jogo um degrau acima do que está acostumado, encontrar o caminho. Nunca teve zona de conforto, nunca entrei num projeto deitando e rolando. Sempre tive que entender o cliente, trazer conhecimento da Accenture e do mercado e estar preparado. Qualquer coisa que você faz é preciso se preparar, isso vale para todos os níveis da carreira. Esta semana, por exemplo, eu fui a uma reunião com o governador e o presidente de uma grande empresa para a entrega do material final de um projeto, algo muito mais cordial, institucional, no entanto, na noite anterior eu me preparei durante uma hora para entender melhor o projeto, o cliente e o que estava rolando, para eu ter algo inteligente para falar, de acordo com o contexto.
Eu sempre falo que é preciso estar hiperpreparado, enquanto você está dormindo, alguém está se preparando para tentar ser mais relevante que você. Esse é o espírito que você tem que ter – não é de competição, é de preparação. Antigamente você dizia que o cara improvisa. O mercado hoje não permite isso em nenhum nível: de estagiário a gerente, não dá para improvisar. Na faculdade tem os caras que dizem que não estudam e vão bem na prova, não é? No mundo empresarial tem também, mas isso não é verdade. Ele estuda sim – só não conta – e no mundo empresarial, quem se dá bem, se prepara.
Três lições de carreira
O que eu acho que foi importante na minha carreira: primeiro tentar fazer bem aquilo que me foi pedido. Eu tenho que fazer uma tarefa de uma forma completa e diferente. Fazendo aquilo bem, sempre tentar fazer um pouco mais. Mas não adianta ousar antes de entregar o que foi pedido. O segundo ponto é sempre pensar o que eu posso fazer para a empresa ser melhor, ou seja, ter um compromisso genuíno de contribuir com o sucesso de uma área. É fundamental pensar no sucesso do seu trabalho e não fazê-lo por fazer. No limite, medir o resultado que você gerou para os seus clientes. O terceiro ponto que me ajudou muito é ser genuíno, ser você, não se comportar de acordo com a situação. Porque eu acho que eu consegui gerar muita confiança nas pessoas assim.
Rotina e agenda
Meu dia a dia não é completamente planejado. Quando você está numa empresa prestadora de serviço não dá para montar a sua agenda como se fosse um relógio ou ser o completo dono dos seus horários. Você tem que estar preparado para ter uma agenda dinâmica. Eu devo trabalhar umas nove ou dez horas por dia. Para mim é muito importante achar os buracos durante a semana para fazer esporte e as minhas atividades pessoais. Eu tenho três filhas e nunca perdi um aniversário delas, são coisas que eu prezo muito. Apesar da flexibilidade que eu tenho que ter aqui dentro, eu busco uma vida equilibrada nas outras dimensões. Eu discordo completamente daquela ideia de que você tem que trabalhar 18 horas por dia para ser bem sucedido.
Importância do networking
Fazer networking é uma disciplina que a gente tem que ter e tem que começar cedo na carreira, mesmo porque, o pessoal que está recém-formado se relaciona com os futuros executivos. Não é que um estagiário tem que fazer networking com o presidente da maior empresa do Brasil. Você tem que ter o respeito e a confiança das pessoas que trabalham com você. Essas pessoas migram para outras empresas e setores e acompanhá-las com regularidade é importante, lá frente elas estarão em outros lugares e serão portas de entrada. No fundo, trata-se de ganhar visibilidade e respeito e isso tem a ver com ser relevante. O networking é um processo informal, mas você tem que ser muito disciplinado e procurar agregar valor. Ele não acontece apenas porque você é uma pessoa legal, mas sim, porque tem uma boa história para contar, seja profissional ou pessoal.
Independência ou demissão
Nunca se deve ter dependência do seu trabalho, inclusive econômica. Se você estiver fazendo algo que não goste, o ideal seria ter condições de pedir as contas e ir embora no dia seguinte. Desde o princípio da minha carreira eu penso assim. Eu tinha uma pequena reserva econômica para sair do emprego, caso eu não estivesse gostando ou encontrasse alguma coisa que não correspondesse com o que eu queria no meu caminho. Eu vi muitos executivos dependerem do emprego, até no status. Tem gente que sobe de nível e não consegue se desvencilhar daquilo.
Recomendações para os iniciantes
Eu acho que o jovem no começo da carreira tem que saber qual o próximo passo que quer dar. Ele não pode entrar num trabalho pelo salário oferecido. No começo da carreira, isso não pode ser o primeiro valor a ser considerado. Não que remuneração não seja importante… Mas daqui a pouco você vai caminhar e perceber que está num negócio em que só perdeu tempo. Eu vi vários colegas assim, que entraram num caminho, andaram três, quatro anos, e depois, quando quiseram voltar para outro ponto, precisaram pagar o pedágio.
Você tem que avaliar sempre se o seu emprego atual é o melhor lugar, se você tem possibilidades de crescimento, se está sendo reconhecido, se a ética que tem na empresa está atendendo, se não, tem que ir procurar outra coisa. Também é preciso ter a visão se a empresa está indo bem, pode crescer e te dar terreno para isso. Se a empresa está indo mal, tem que repensar: ou você assume aquela posição e faz a empresa virar, ou procura outra coisa. Não tem milagre.
Então no começo de carreira é muito importante não estar cego com o salário ou com qualquer outra coisa. Às vezes é uma coisa que seduz mesmo: ganhar um cargo, ganhar mais salário, um carro da empresa, mas se você estiver no caminho errado, tem que ter coragem para puxar o freio de mão. Não dá para ir em frente cegamente.